Entrevista na Rádio Transamérica Pop

Por Denise Ushisima e Suellen Santana
Da Redação

O terceiro CD da Pitty, Chiaroscuro, está nas lojas de todo o Brasil desde o dia 11 de agosto, mesmo dia em que ela se apresentou no Estúdio ao Vivo Transamérica, que foi especial, com duas horas de duração.O ábum foi produzido por Rafael Ramos e masterizado pelo gênio Bernie Grundman, que já trabalhou com nomes como Neil Young, Michael Jackson, Dead Kennedys e Beck, entre outros.
Entre as músicas desse CD estão Me Adora, escolhida para ser o primeiro single. Esse é um dos sons mais pedidos da programação e o clipe dele recebeu mais de 40 mil visualizações no YouTube em apenas dois dias.Confere a entrevista aí !

Transanet: Chiaroscuro é uma técnica de pintura usada por Leonardo Da Vinci. Foi uma coincidência ou você buscou essa influência para o nome do disco?
Pitty: Esse nome pintou porque o Duda (baterista) voltou de viagem e tinha visto lá fora um espetáculo de teatro que dizia no folheto que eles usavam essa técnica de chiaroscuro na iluminação. Aí começamos a conversar sobre isso, essa coisa de claro e escuro, contraste, achamos um nome bonito e de alguma forma isso foi linkado com o que estávamos fazendo ali em relação às músicas e à sonoridade. Assim que decidimos que seria Chiaroscuro, levamos essa viagem ao extremo, então vamos de preto e branco, claro ou escuro, e adaptamos a identidade visual do disco para se encaixar nesse conceito, nessa ideia. As fotos são preto e branco, nosso site também, a capa do disco. Teve um quadro que foi pintado lá dentro e a única direção que foi dada para Catarina Gushiken (artista plástica) foi “a onda da gente é chiaroscuro, é preto ou branco, então se joga”, e aí rolou.

Transanet: Qual o motivo desse álbum ser mais leve em relação aos dois anteriores? O que mudou?
Pitty: Não o acho mais leve, engraçado isso. Acho que a noção que as pessoas têm de peso e leveza é bem diferente da que eu tenho. Se você pensar nas letras, no discurso, na sonoridade e na densidade dos sons, para mim ele soa mais pesado, mas acho que a galera se refere à distorção, ao barulho. O que mudou é que a gente muda mesmo, as pessoas mudam e descobrem coisas novas.

Transanet: Quais são as principais referências do novo CD?
Pitty: Tem várias coisas bem diferentes. Tem bastante coisa dos anos 60, gravações do Phil Spector e coisas como o Ronettes, e tudo o mais, mas também tem tango e bolero.

Transanet: Tem algo de Vicente Celestino? O Hique Gomes, do Tangos e Tragédias, tem isso e achei legal você chamá-lo.
Pitty: Não necessariamente, o Hique veio por causa disso mesmo, do tango, e eu acho o Tangos e Tragédias do caralho, pensei ‘pô, essa música (Água Contida) precisava de um violino’ e ele é pai de uma amigona minha, a Clarah Averbuck (escritora), então ele veio e gravou.

Transanet: O seu novo trabalho tem algumas influências de soul e blues e isso pode agradar a galera um pouco mais velha. Foi esse o intuito?
Pitty: Não, foi uma coisa bem natural, a gente já não é criança há muito tempo. Tenho 30 anos e todo mundo aqui tem mais de 30, então chega uma hora que é o processo natural e as suas referências vão mudando e também o que você acredita. O que eu pensava quando tinha 15, 16 anos é bem diferente do que penso hoje, tem muita coisa ainda, a essência permanece, mas outras coisas se agregam.

Transanet: É uma nova era de musicalidade da Pitty?
Pitty: Sempre. Desde o começo, acho que o legal é você nunca estagnar. O meu maior medo é ficar parada. Não tenho medo de me mexer, não tenho medo de inovar, tenho mais medo de ficar parada. Isso é que me dá mais aflição.

Transanet: No disco novo tem uma música, A Sombra, que fala de uma teoria famosa que todo mundo tem um lado obscuro que a gente nega, mas ele existe. Você conhece o seu lado obscuro e sabe trabalhá-lo? Como é a sua relação com essa teoria?
Pitty: Tenho vários (lados obscuros) e durante muito tempo é isso, você tenta negar. E esse conceito de sombra fala isso: “a sombra está ali e não vai embora, por mais que ela esteja atrás, a sombra está ali te seguindo”. Acho que é um trabalho para a vida inteira e o primeiro passo é você reconhecer que não é todo bom e que você tem muita coisa que não é bacana. Todo mundo queria ser só bom, mas a gente não é e isso é um fato. Às vezes, vou ser muito legal e às vezes, não vou ser. Tenho que aprender a me perdoar por isso, tenho uma ressaca moral absurda em relação a essas coisas, a ficar me punindo e querendo ser sempre legal, só que isso não existe, é sofrimento.

Transanet: Uma das músicas de Chiaroscuro tem uma referência a Dostoiévski. Como é essa relação da literatura com a música para você, como você traz a literatura para a música?
Pitty: Isso acontece espontaneamente. Gosto de ler muito e, claro, como gosto de ler e também gosto de escrever, as coisas que eu leio acabam me influenciando na hora de escrever. É algo bem natural. Toda vez que leio algo que me motiva a escrever aquilo de outra forma ou até a render aquele pensamento, destrinchar aquele pensamento que aquele primeiro escritor teve ali, toda vez que faço isso acaba inevitavelmente rendendo uma letra ou algum texto ou alguma outra coisa.

Transanet: Você tem planos de lançar um livro?
Pitty: Planos não, mas gosto de escrever.

Transanet: Mas tem blog...
Pitty: Sim, tenho. Eu tinha um blog no site antigo, que era o Boteco, e não sei ainda se ele vai voltar para o site novo. Mas blog vou ter algum, de qualquer jeito, porque eu preciso de um lugar para escoar as coisas que escrevo.

Transanet: Qual seu livro preferido do Dostoiévski?
Pitty: Ah, não sei, não vou te dizer isso agora. (Depois que o livro O Idiota foi citado) Eu gosto desse, talvez seja um dos meus preferidos. Eu leio coisas dele, mas leio mais fragmentos, porque ele usa uma linguagem muito difícil e não é toda hora que eu tenho paciência, nem com ele e nem com Nietzsche, porque tem que estar muito a fim, sacou? Esses que têm uma linguagem difícil, você tem que estar muito a fim. Então a forma que ele mais entra na minha vida é através de fragmentos. Pego pequenos textos dele e leio como se fosse um conto. Daí consigo absorver aquilo ali se eu não tiver tempo ou estado de espírito para ler o livro inteiro. Eu faço isso com vários, principalmente agora que estou lançando o CD.

Transanet: E Bukowski?
Pitty: Eu amo Bukowski, mas ele é bem mais fácil de ler. Agora, com esse lance da correria toda, não estou parando. Às vezes nem para tomar banho ou fazer essas coisas de mulher eu tenho tempo, sério mesmo. Aí fico muito triste porque não consigo ler coisas mais difíceis nessa fase, não consigo ler nada muito elaborado, porque a cabeça não prende. Então preciso estar bem tranquila.

Transanet: Você acha que a sua música faz com que seus fãs mais novos busquem essas referências que você traz?
Pitty: Sim, sinto isso porque eles comentam depois. Eles falam ‘ah, você falou de tal escritor, de tal coisa e eu fui lá ver e achei massa’, ou então ‘não gostei’, não importa, mas pelo menos eles correm atrás e conhecem outras coisas.

Transanet: O Chiaroscuro vai sair em vinil também. Você é adepta do vinil?
Pitty: Primeiro, eu amo vinil, eu fico muito feliz com essa “volta do vinil” e me sinto muito honrada em saber que o meu disco vai sair nesse formato. Ouvi um teste na semana passada que o Rafael Ramos (produtor) trouxe e a gente quase chorou. Todo o ritual, de você colocar a agulha, o barulhinho e aí acaba o lado A e você levanta para trocar e ouvir o lado B, é muito gostoso. E segundo, porque a Deckdisc (gravadora) é dona da única fábrica de vinil da América Latina, a Polysom. Eles compraram a fábrica e estão revitalizando com máquinas novas e melhores para a gente voltar a produzir vinil aqui no Brasil de um jeito bacana.

Transanet: E quando sai o vinil?
Pitty: Deve ser lá para setembro ou outubro, ainda não sei, mas aviso quando souber.

Transanet: Tem uma lei no Senado agora para tirar os impostos dos CDs e DVDs musicais brasileiros. O que você acha dessa lei?
Pitty: Acho incrível, acho que demorou, inclusive. É um absurdo a gente pagar tão caro por cultura e isso faz com que o preço do produto final fique um absurdo. Se não me engano, é 42% de imposto só para o governo em cima de um disco. Imagina, é quase a metade! Isso fora todo o processo que você tem de custo, de produção, de divulgação, de verba para fazer clipe, está tudo embutido no preço do disco, e ainda tem todo o salário do pessoal que trabalha ali, desde o cara que dirige o caminhão que leva o disco do depósito para a loja até a comissão do vendedor, está tudo ali. Não dá para ser tão caro e eu espero que essa lei seja aprovada e que quando ela for aprovada isso signifique uma redução significativa. O que for já é bom, já é argumento para a gente lutar contra a pirataria.

Transanet: Você acha que seria bacana baixar os impostos sobre discos internacionais também?
Pitty: Acho que para a cultura em geral. Disco gringo chega caríssimo aqui também e todo mundo baixa as músicas porque o importado é caríssimo, um vinil importado, por exemplo, custa 250, 300 paus.

Transanet: Como você vê essa proximidade dos fãs com a internet, já que você tem Twitter, blog e etc.?
Pitty: É massa, adoro a internet, acho que é uma grande biblioteca, é um lugar onde você pode descobrir tudo, pesquisar a respeito de tudo e isso me fascina, acho bem bacana. Na hora da comunicação com a galera me ajuda muito, porque tem a coisa do site e agora o Twitter, que é uma comunicação rápida, nem cabe texto longo, é uma coisa mais informativa, então é legal. As pessoas ficam sabendo da sua própria boca, com as suas palavras, sobre a banda.

Transanet: Você agora mora em São Paulo. Você gosta?
Pitty: Eu amo morar em São Paulo. Eu vim parar aqui porque eu gostei. Eu morava no Rio e vim fazer um trabalho, acho que foi agenda de TV, e não voltei mais para lá, só mandei buscar minhas coisas. Fiquei.

Transanet: Salvador tem uma cena de rock, apesar de ser pouco divulgada. Como está agora lá? Você acha que abriu portas para as bandas de lá?
Pitty: Não sei. Não de forma efetiva, eu acho. Acho que o que aconteceu foi algo mais externo. O resto do país, de alguma forma, se ligou que Salvador tem uma cena, meio que deu um estalo na galera de fora da Bahia, porque lá dentro a galera já sabia, inclusive a mídia, mas não dão espaço porque há uma hegemonia muito grande do axé, que é uma indústria poderosíssima, financeiramente falando, e o rock não tem grana para competir com essa indústria e fica abafado.

Transanet: O que você acha desse estereótipo de que “cantor baiano só faz axé”?
Pitty: É uma merda, um saco isso. Na verdade, a gente que é baiano, não canta axé e não gosta, fica ‘ai, de novo isso, que saco’, mas tudo bem, é compreensível porque as pessoas não têm como saber se a gente não mostrar.

 
 

 

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